quinta-feira, 19 de julho de 2012

Para derrubar a rede

Pesquisadora brasileira defende que o uso do Truvada na prevenção da Aids traria benefícios se integrada ao sistema público de saúde brasileiro, mas considera fundamental identificar os públicos prioritários para receber o tratamento no país.

Para derrubar a rede
Droga é a primeira a ser aprovada para prevenir a infecção pelo HIV e pode ser a precursora de novas estratégias de combate à Aids. (fotos: Instituto Pasteur e Gergely Németi/ Flickr – CC BY-NC-SA 2.0)       

Talvez a prevenção da Aids não devesse ser um desafio tão grande em todo o mundo. Afinal, o uso de preservativos e seringas descartáveis poderia reduzir muito as infecções. Na prática, no entanto, esse controle mostra-se muito mais complexo e cheio de nuances do que aparenta e a doença continua sendo uma questão grave de saúde pública.
No início da semana, a FDA, agência que regula alimentos e remédios nos Estados Unidos, aprovou a utilização do Truvada, um medicamento já empregado no tratamento da Aids, como alternativa de prevenção da doença – o primeiro a ter sua atuação comprovada nesse sentido.
No Brasil, o uso terapêutico do Truvada só foi aprovado em maio deste ano e ainda não existe previsão para o seu uso preventivo. No entanto, a medida norte-americana já repercute na comunidade científica brasileira, gerando certa expectativa em relação ao seu potencial impacto na prevenção da doença no país.

Coordenadora do braço brasileiro do iPrEx (leia mais no boxe abaixo), um dos estudos internacionais que mais influenciou a resolução da FDA, a infectologista Valdiléa Veloso defende que a droga deve ser incorporada às políticas públicas nacionais de prevenção à Aids tão logo a Agência Nacional de Vigilância Sanitária aprove o uso do medicamento também para esse fim.
Veloso, que dirige o Instituto de Pesquisa Clínica Evandro Chagas da Fundação Oswaldo Cruz (Ipec/Fiocruz), explica que a proposta seria utilizar o medicamento apenas em grupos-chave mais expostos à infecção e mais importantes na sua disseminação do ponto de vista epidemiológico, como homens que fazem sexo com homens, usuários de drogas injetáveis e profissionais do sexo. “É estratégico atuar na prevenção nesses grupos, pois ao retirar essas pessoas centrais da cadeia de transmissão, dentro de algum tempo a própria epidemia não se sustenta”, afirma.
Embora o Truvada não deva substituir as medidas tradicionais de prevenção da doença, que incluem aconselhamento e distribuição de preservativos, seu uso preventivo pode significar o primeiro passo para novas estratégias de combate à Aids. “É fundamental inovar na luta contra a epidemia e essa deve ser apenas a primeira de várias outras drogas voltadas para sua prevenção”, avalia. “Orientação e preservativos estão disponíveis há tempos e são muito importantes, mas sozinhos talvez não sejam suficientes para conter a doença.”

Custos e riscos

Se, por um lado, as perspectivas são positivas, por outro, os custos de uma possível introdução do Truvada – produzido fora do país – no sistema público preocupa. Veloso, no entanto, prevê uma diminuição do preço da droga com sua utilização mais ampla em todo o mundo e acredita que essa política pública poderia até mesmo trazer economia.
“Como o Brasil tem um sistema universal de atendimento, investir menos na prevenção vai levar a gastos maiores para o sistema de saúde para tratar as pessoas depois de infectadas.” Ainda assim, o Ministério da Saúde informou esta semana que ainda não cogita a inclusão do remédio nos programas públicos de prevenção.
Outra questão delicada é a possibilidade de a adoção preventiva do Truvada estimular o comportamento de risco em determinados grupos. A infectologista reforça que, nos testes realizados até o momento, essa tendência não foi registrada. Porém, destaca que o mais importante é avaliar o contexto e o perfil da epidemia em cada região, para que as novas estratégias de prevenção sejam bem recebidas pelos grupos aos quais se destinem.

Para Veloso, a epidemia da Aids no Brasil é concentrada, semelhante ao que ocorre nos Estados Unidos, mas é fundamental mapear os grupos prioritários em cada país e avaliar a receptividade e capacidade de essas pessoas seguirem o tratamento.
A própria infectologista coordena um estudo internacional que pretende testar o uso preventivo do Truvada em condições mais reais. Mas adverte: “As respostas que precisamos não serão obtidas apenas com estudos internacionais, mas com pesquisas que avaliem especificamente a realidade brasileira.”
Outra questão central na criação de novas estratégias de prevenção que incluam o Truvada é o monitoramento da resistência do vírus à droga. Na avaliação da pesquisadora, é importante que os grupos que utilizem o medicamento sejam submetidos a testes periódicos e mantenham um tratamento contínuo.
“Tomar diariamente o comprimido é fundamental para reduzir as chances de mutação no HIV, mas manter essa regularidade é um desafio adicional”, argumenta. “Caso uma dessas pessoas tenha resultado positivo ou apresente sinais de infecção, o tratamento preventivo deve ser interrompido e o vírus em seu organismo avaliado, para saber se é resistente à droga e qual é a melhor combinação de medicamentos para tratá-lo”, explica.

Fonte: Ciência Hoje

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